quarta-feira, 23 de maio de 2012

A dura vida de um gearhead no Brasil


É, caríssimos. Ser gearhead no Brasil não é fácil.
Primeiro, o que é ser um "gearhead"? Esse termo em inglês é uma alusão às pessoas fanáticas por trocas de marcha, logo, por carros. E, tendo dito isso, fica mais simples de compreender a dificuldade que é, pro brasileiro, de ser um verdadeiro apaixonado por carros.
Isso me faz lembrar da publicidade da rede Ipiranga há uns anos:
Provavelmente, eu faria a mesma coisa.

Isso é ser gearhead. Não, não é abandonar família e trabalho para ficar lambendo o carro(isso já é doença). Gostar do carro é cuidar dele, mantê-lo em perfeito funcionamento e saber como ele funciona.

Gostar de carros é:
Dizer não aos carros flex: a imposição mercadológica dos flex é a maior burrice no setor automotivo, junto com a vinda da geração atual de chineses para o país. Carros com motor flexível sacrificam eficiência para poder dar a possibilidade de se rodar com dois combustíveis. Mas, calma lá: se o preço da cana é feito à mercê dos produtores, o que a tem feito ser um mau negócio para qualquer motorista na maioria das UFs há anos, por que ainda não demos às costas para os flex? Só pra termos uma ilustração: um uno flex(falo do caixotinho) faz 14:1 na gasolina hoje, com o motor 1000 cilindradas. O mesmo carro, em 1981 fazia 11km/l. Em 30 anos, a economia melhorou 3km/l só. Um carro europeu com a mesma cilindrada faz essa marca com o pé nas costas: o Opel Agila 1.0 faz 21km/l na gasosa lá. Mesmo a versão mais forte (1.2l) faz 19,6km/l e entrega 94cv nas rodas.
Ou seja: não sabemos exigir um carro mais eficiente para nós.

Dizer não a ter um carro para aparecer: essa é a pior das piores na minha opinião. Dos carros fabricados hoje, eu tiro uma comparação com os carros de outras épocas. Todo mundo sente bater o apelo visual do Veloster, de um Azera, de um Cruze, ou de um Fusion. Mas, cá entre nós, deve ser penoso ter um carro como Veloster, que aparenta ser mais veloz(inclusive no nome) do que ele é. Falo isso com embasamento de que, se ele pegar um Maverick V8 302, ou um Opala 250S, o Veloster perde tanto na aceleração de 0 a 100, quanto no velocidade final. Um Citroën C4 perde em consumo para um Opala 2.5(que é um carro muito mais pesado, com um motor muito mais obsoleto).
Se pararem para analisar, as propagandas de carros têm  ficado excessivamente racionais e, ao mesmo tempo, elas têm tentado cativar o cliente pela pretensa exclusividade de um modelo, ou pelo conforto de ser flex, ou por algum outro motivo que não seja nem um pouco razoável. Como exemplo:
Tudo bem que a parte das pessoas juntado as folhas no chão dá a entender que seria a materialização de algo que elas querem. Mas, a parte em que todos ficam ao redor do carro, curiosos, é indicativo da síndrome "eu preciso que olhem pra mim, como se as pessoas tivessem necessidade de serem notadas e amadas materializadas num pedaço de metal. Isso não é ser gearhead, é ter carência extrema.
Apareça tendo um carro. Não tenha um carro para aparecer. É sutil, mas é diferente.
Deve ser triste ter um carro que só aparenta ser veloz, mas no vamos ver, perde prum "carro velho".

Não ceder à mentalidade comum: pode parecer bobagem, mas não imaginam quantas vezes na vida, ouvi gente fazendo piada comigo e com meu carro: "Ah, ele é velho!", "Bebe quanto?", "Podia ter economizado por mais uns anos e ter comprado um Mille zerinho".
Ah, vão pra merda! Acham que eu escolho um carro porque ele tem garantia? Não, não escolho um carro por isso. Quando fui comprar meu carro, levei meses estudando o melhor custo-benefício. Não, eu não quero um carro para jogar fora dois anos depois. O meu carro é o carro com que fui à faculdade, dei carona pros meus colegas, viajei com minha família, passeei com minha namorada e é o carro com que pretendo ficar por muito tempo e, eventualmente, deixar pro meu filho(ou filha). Comprar um carro atrás do outro(e jogá-lo fora um atrás do outro por conseguinte) só aumenta os problemas de tráfego e de emissões. Ser gearhead não quer dizer que você nunca trocará de carro, e sim que você trocará quando necessário. E, cá entre nós, não é necessário trocar um carro porque ele não está na modinha dos seus amiguinhos de facebook.

Ter um ataque de nervos com o combustível caro: é, é foda, mas é muito caro se dar ao prazer de rodar por aí. Com preços beirando  3 reais, dirigir por prazer tem sido um prazer relegado ao segundo plano. O álcool também está caro por causa dos malditos usineiros que desviam parte da produção para fazer açúcar. Política tributária, transporte rodoviário, cartéis e falta de uma refinaria no ES também atrapalham uma possível queda nos preços.

Ressentir-se com a falta de um maior comprometimento nosso ao esporte: com apenas um autódromo, só temos a fórmula BKR que corre aos trancos e barrancos, superando as mais infindáveis dificuldades, como a falta de apoio aos esportes no ES(e falo de todos os esportes, nesse caso). Os Karts e as arrancadas no Sambão do Povo também carecem de divulgação mais ostensiva. Fora isso, eventualmente os jipeiros e motociclistas resolvem pegar uma trilha por aqui. Mas e os eventos nacionais? Cadê a stock? Fórmula Renault? Copa Clio? Como apelamos para os circuitos de rua, poderíamos ter uma grande visibilidade, já que esses circuitos são muito mais charmosos e evocativos. Uma vez, Vitória foi chamada de a Mônaco brasileira(é claro, com renda per capita muito menor e sem cassinos). Precisamos de mais eventos desse calibre aqui.

Sentir a falta de um Track Day: temos um autódromo. Temos os carros. Por que não unir ambos? Em diversos Estados, os track days têm virado febre e o motivo é ridiculamente simples: muitos têm carros preparados e querem ver até onde eles vão, mas não têm pista, então correm na rua, fazendo rachas. Mas e se tivermos um autódromo, com segurança, apoio médico e uma pista boa para acelerarmos? Você não precisa ter um carro com 200000 dólares em peças. Pode correr com aquele Palio 1.0 mesmo. Com isso, vai ficar mais próximo do seu carro e mais ciente de suas limitações na direção, podendo corrigir seus erros num ambiente controlado.

Caçar peças: como conseqüência do consumismo desenfreado, as fábricas deixam muito cedo de fabricar as peças para nossos carros. Dia desses, um amigo pediu para ir com ele a uma revenda Chevrolet, comprar umas peças do interior do Vectra 2006. A resposta é que eles não tinham a peça nem no estoque!!! Claro, as peças de carros mais novos são as que estão em voga. Quem tiver um carro mais antigo, tem de recorrer a preces lojas de auto-peças e ferros-velhos.
Caçar peças, significa ir a buracos onde nunca ousaria antes pôr os pês e ficar íntimo da galera das lojas e ferros-velhos em Alto Laje, São Torquato, Cobilândia...

Revoltar-se com as peças paralelas. Isso acontece mais com os donos de antigos: como muitas peças(especialmente as de acabamento) há muito não são fabricadas, é necessário recorrer a fabricantes de peças independentes. Pode ter certeza de que a peça que você comprar 90% das vezes não vai bater com a peça original e 99% das vezes terá acabamento inferior. Ah, e dependendo da peça, ela vai custar uma fortuna.


Continua...

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